17 de maio de 2016

Resenha - Restos Humanos

                         
                                Você conhece bem seus vizinhos?
                                     
              Saberia dizer se eles estão vivos ou mortos?






     
                                      

      Annabel é uma mulher solitária que mora sozinha apenas na companhia de sua gatinha de estimação. Num certo dia, ao sentir um cheiro fétido e desagradável na casa ao lado ela descobre o corpo em decomposição de sua vizinha. Como ela trabalha como analista criminal na polícia ela começa a perceber, através de dados que o índice de pessoas que morrem sozinhas em suas casas é altíssimo e isto a instiga a investir e coletar mais dados sobre este mistério. Por ser uma pessoa muito solitária e introspectiva, ela começa a ganhar uma certa visibilidade perante aos colegas de trabalho e até mesmo de seu chefe pois sua investigação sobre corpos encontrados em decomposição começa a ser levado em consideração depois de uma coluna jornalística divulgar mais mortes deste jeito.
    Paralelamente, o leitor é introduzido à história de um homem bastante excêntrico chamado Colin. Ele mora sozinho, tem apenas um amigo e tem dificuldade em estabelecer relações amorosas com o sexo oposto. Como ele é muito inteligente, sempre está em busca de novos conhecimentos então ele entra em um curso de técnicas de análise comportamental para negócios e interação social e ele acaba usando estas técnicas para se aproximar das pessoas e analisa-las.
     Os dois personagens principais deste livro não têm um vínculo sadio com seus familiares; de um lado temos Annabel que tem apenas a sua mãe que é idosa e mora um pouco longe dela que sempre solicita a presença de sua filha para ajudá-la em diversos afazeres por causa da idade avançada; do outro lado temos Colin e seu passado obscuro por ter perdido o pai e ter aguentado sua mãe amargurada jogando a culpa da morte do marido em cima do filho, então ele cresce distante da mãe e apesar dela morar em um asilo ele não faz questão de vê-la por guardar rancor da própria progenitora.
    Os capítulos são intercalados entre uma narrativa de Annabel, uma seguinte de Colin e em seguida uma crônica de um jornal local noticiando mais mortes de pessoas desconhecidas. Abaixo do noticiário, o próprio personagem que foi encontrado morto conta a sua versão da história. O leitor passa a conhecer a história de vida de diversos personagens como a Judith, uma senhora de 91 anos que morava sozinha e tinha síndrome de pânico e se sentia vazia por dentro e ansiava por esperar a própria morte. Também conhecemos a história de Rachelle uma jovem que apesar de ter tudo na vida e um futuro próspero, foge de casa e muda a aparência para ficar longe de todos e há outros personagens narrando sua história ao longo dos capítulos.
     O clímax do livro é alcançado quando os caminhos de Annabel cruzam o do suspeito de ter feito com que as pessoas se entregassem à morte. Então ela vê sua vida nas mãos de uma pessoa que ela mesma chama de ‘’anjo’’ e por acontecimentos graves na vida ela se entrega à ele até que a polícia consegue a socorrer e juntos fazem uma armadilha para pegar o suspeito.
   Sem dúvidas é um livro de tirar o fôlego, cheios de mistério e um tanto quanto reflexivo. Logo de cara podemos perceber que todos que morreram sofreram de depressão e foram perdendo a vontade de continuar vivos. Todos foram em busca de alguém que os ajudasse a ter coragem para que pudessem dar adeus ao mundo por completo e o mais incrível da história e bizarro é o fato das pessoas morrerem por inanição (um estado em que a pessoa se encontra muito enfraquecida, por falta de alimentos ou por deficiência na sua assimilação).


    





   O assunto chave que o livro quer abordar é: Como pessoas morreram e foram esquecidas pelo resto dos seres humanos que as cercavam? O livro faz uma crítica ao estilo de vida contemporâneo em que usamos a desculpa do excesso de tarefas  e a falta de tempo para darmos atenção ao próximo. Passamos pelas ruas às pressas, com os celulares em nossas faces sem dar atenção aos rostos de pessoas que passam pelo nosso caminho. Julgamos uns aos outros sem nos darmos conta de que cada indivíduo carrega problemas e anseios consigo mesmos. Expomos o lado ‘’bom’’ de nossas vidas, os momentos de felicidades em diversas redes sociais e com isso escondemos os momentos reais, que muitas vezes não são compatíveis ao que vemos e compartilhamos pela internet à fora. Também é criticado como o homem moderno se socializa com o seu próximo, que apesar de toda a globalização e suas ferramentas feitas para que nos aproximemos mais àqueles que amamos e  que estão longe fisicamente, por vezes acabamos esquecendo das pessoas que estão próximas fisicamente, deixando-as de lado enquanto ficamos viciados nesta nova tecnologia e neste novo modo de comunicação. Somando ao fato de toda a violência que sofremos diariamente o mundo nos fez pessoas distantes e frígidas, e é aí que a pergunta é feita: ‘’Você conhece bem seus vizinhos?’’, e a maioria de nós podemos responder que não.
  Esta falta de sensibilidade é o que a autora aborda em todo o livro. Nos faz refletir sobre como estamos tratando o nosso próximo e principalmente àqueles que sofrem doenças silenciosas e vistas com um certo preconceito que é a depressão. Separei alguns trechos de frases ditas pelos personagens que morreram no livro e você pode tirar a mesma conclusão que eu tirei:


   ‘’ Era uma mulher adulta, uma mulher velha e enquanto eu ainda tivesse a cabeça no lugar, queria tomar uma decisão e deixar essa vida que se tornara tão exaustiva, tão vazia.’’   Judith, 91 anos de idade.

‘’ Era como se meu corpo já tivesse morrido e apenas esperasse minha mente alcançá-lo. E talvez a nuvem negra seja isso, afinal de contas. Talvez a nuvem negra seja a morte e eu simplesmente não tenha reconhecido como tal. E tantos de nós ainda estamos perambulando pelo mundo, mas estamos simplesmente mortos por causa da nuvem dentro, fora de nós, ao nosso redor.’’ Rachelle, 21 anos de idade.


‘’ Às vezes, eu fazia certas brincadeiras quando estava lá fora, só para ver se conseguia atrair a atenção de alguém, se conseguia fazer com que olhassem para mim, ainda que só por um minuto. E quer saber de uma coisa? Ninguém olha nos seus olhos. E eu percebi que fazia anos e anos que ninguém havia mantido contato visual comigo (...)’’  Robin, 50 anos de idade.

‘’ Ninguém consegue ver a dor. Não existe uma tabela referencial para avaliar a dor que outra pessoa sente. Tudo o que veem é inatividade – que interpretam como preguiça (...) E minha vida era um tremendo desperdício. Uma grande ruína que outrora havia sido bom. Tudo que me fora arrancado, deixando aquele vazio, aquele abismo de dor e sofrimento.’’ Shelley, 43 anos de idade.

‘’ Você nunca se dá conta do que é solidão até que ela começa a rastejar dentro de você, como uma doença; é algo que vai acontecendo progressivamente com você.’’ Robin, 50 anos de idade.


      Analisando estes e muitos outros trechos, podemos perceber a fragilidade dos personagens e de que sofriam depressão. Não é apenas uma história de ficção, neste exato momento há alguém pelo o mundo afora ou até mesmo bem perto de você sofrendo os mesmos sentimentos que os personagens de ‘’Restos Humanos’’. Eu diria que seria a falta de sentimentos, pois é isto o que as pessoas que sofrem depressão sentem; um vazio profundo e não veem motivos para continuarem vivos.
    Apesar do tema ser forte e a narrativa diversas vezes narrar a anatomia e fisiologia de um corpo entrando em estado de composição, há momentos leves no livro e  Annabel é uma personagem bastante única.
   Recomendo a leitura para todos que gostam de investigação criminal, mistério, perseguição e a abordagem de um tema bastante recorrente nos dias atuais.
     Gostaria de finalizar a resenha de hoje, deixando um recado para você que leu a resenha até o fim; se você conhece alguém que sofre de depressão, não tire sarro dela ou a julgue dizendo que a falta de vontade de viver é frescura ou a perda de ânimo é preguiça. A ajude com palavras amorosas, pois se for para criticar e jogar pedra em alguém que já está em uma redoma negra de vidro, é melhor não dizer nada e se afastar da pessoa, mas lembre-se, a mensagem que o livro nos deixa é que a sociedade tem um peso com relação ao estado em que os demais indivíduos se encontram. Não custa nada você tratar bem as pessoas à sua volta pois você não sabe a guerra que elas enfrentam dentro de si mesmas diariamente.
   Bom, espero que tenham gostado da resenha de hoje, beijos da Letícia! 



       Editora: Intrínseca
       Autora: Elizabeth Haynes
       Páginas: 318
       Ano: 2014


  

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